terça-feira, 14 de junho de 2011

Seis sonetos para uma noite de outono.




     Crepúsculo no campo

...O vento faz contorno nos pinheiros
e entra entre os galhos sem quebrá-los;
se espantam os bichos sorrateiros
corre bravio um bando de cavalos...

As flores se retorcem nos canteiros,
qual asas brancas revoam nos seus talos;
dos vales se alevantam nevoeiros
e o vento a outras plagas vai levá-los...

A tarde desmaia na fria solidão.
O chão em trevas faz da lua seu bordão
qual tintas claras numa tela suja...

Lá dos longes vem a noite, é outono,
a mata dorme no leito do abandono
coaxam as rãs,  pia triste uma coruja...






               Incerteza

Diz o teu querer que não me quer jamais
e o que havia ainda por dizer, disse-o.
Mas, como deixar-te se és o meu vício
se o prazer que tenho é teu amor quem faz?

Visto a cara do ódio, é só artifício,
um pouco do teu amor já é amor de mais.
Sigo por mim - a direção é a que vais –
na boca o sorriso, na voz o suplício

desse amor que me é tudo e a ti é nada.
Digo a mim mesmo em palavras tais,
embora unidos, laços desiguais,

não mate esta vida que me é dada:
Põe a alegria que caiba no teu rosto
e me ame, mesmo que seja a contragosto...





        A friend

No meu peito tem um lar, doce abrigo,
onde hospedo nobres sentimentos,
onde não mais é só quem está comigo
onde não há pranto nem tristes lamentos.

Aqui o tempo é a vida em fragmentos
a explosão dos átomos não tem perigo,
se falo bem, espalho a quatro ventos
e no meu peito te hasteio o nome: amigo.

Eis o meu lar, colunas do bem querer,
porta sem trinco pra sinceridade
onde o sol reluz ao alvorecer.

Fechado, nessa nave que dirijo,
para todo o sempre levo a amizade
até o meu inexpugnável esconderijo!






         Lembranças

Quando à meia luz sua foto revejo,
folheando o álbum já esmaecido,
relembro do olhar, do abraço, do beijo,
creio que jamais lhe hei esquecido.

Ter seu querer para sempre almejo
duas aves em vôo num campo florido;
sua imagem aqui deixei no meu desejo
o resto lá ficou no tempo perdido...

Qual o flanar suave das ondas do mar
que buscam o aconchego no granito,
meus lábios buscam, num doce vagar,

o aconchego da sua boca macia...
Mas, hoje, em soluços eu choro aflito
e se rides feliz sob a lápide fria...





       Voz divina

“O reino dos céus Eu lhe darei!”
Bradou uma voz lá das alturas.
“Prove a hóstia das escrituras
e segue o que diz a Minha lei.”

“Quebre o cálice das amarguras,
abre sua alma ao Novo Rei;
O sangue que na cruz Eu derramei
é luz eterna nas noites escuras.”

Hoje me encontro no Teu nome,
no meu peito fiz Tua guarida
e em mim sinto viver a Tua vida.

Dá o pão do amor à minha fome,
teu amor é novo, meu corpo velho,
eis aqui o meu reino: o Evangelho!





          Canção

Maestro, ostenta no ar a batuta
qual a brisa na pétala de uma flor.
Doma com desvelo tua força bruta
e rege solene uma canção de amor.

Fere indelével quem te escuta
teus acordes no ar têm forma e cor.
Se o mundo lá fora é poeira e luta
aqui dentro da alma é paz e calor.

Vale mais um riso do que mil prantos
vale mais uma lira do que um canhão,
a música cria sua própria dimensão.

Esparze tua obra pelos quatro cantos
e deixa não morrer a vida do teu dom:
-O coração compassa no mesmo tom!

      Inácio Dantas
      Do livro © “Sonetos para Sempre

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