Só
Não estou só... tenho caneta, caderno
e no seio d'alma a inspiração.
Se lá fora o mundo vive um inferno,
aqui dentro vivo a letra da canção.
Sou poeta! É sempre sol o meu inverno,
uma chama acesa o meu coração.
Se ainda é o amor um sonho eterno
minha poesia não vai morrer então!
Sim, não estou só. Tenho a poesia
e a verve de poeta me acompanha,
vive em mim numa emoção estranha,
e se compraz na mais doida ironia:
-Me faz rir se o pranto não desfaz-se
ou cantar se há dor em minha face...
Lágrimas
Lágrimas em chuva me caem do rosto
amar e não sofrer são tarefas árduas.
Num colar de gotas do meu desgosto,
perlas do meu pranto, uma a uma guardo-as.
Lembrança... da sua língua sentir o gosto,
e suas mãos, loucas por mim aguardo-as...
Se viver é alegria vivo o oposto:
-Amar e não sofrer são tarefas árduas...
Colho, hoje, o fel da boca que beijei
o abraço frio do seu corpo ausente
luz no passado, sombra no presente.
Desafio a solidão, mundo sem lei,
e vivo assim - minhas razões resguardo-as-:
-Amar e não sofrer são tarefas árduas...!
Assovio
Noite sem lua, brisa calma do Atlântico,
luz dos meus olhos alumia a praia escura.
Eu danço nas ondas, ao mar em cântico,
sob a treva flutuando na brancura.
Ouço o meu peito, seu falar semântico,
eu e o firmamento – Criador e criatura -.
Vivo, com a solidão, um par romântico,
feito o mar suave com a pedra dura...
Noite sem lua, erma, névoa de plumas
vai cobrindo a tez do mar n´amplidão
reino dos deuses, Iemanjá, Tritão...
Sigo, pés descalços num chão d´espumas,
e, enchendo a curva do céu vazio,
dos meus lábios, uma canção num assovio...
Divisão
Quem é este eu que ‘stá em mim agora
em quem me fiz por estar desatento?
Pra ser quem sou não se faz na hora
se precisam anos de ensinamento.
Quem é esse em mim se sou eu por fora
ou seremos um no mesmo momento?
Se não é ele, eu, por que me ignora
e quer pensar por mim no meu pensamento?
Afinal, qual dos dois é ele, qual sou eu?
Não por mim, mas por ele com tal zelo,
pois se eu sou ele como hei sabê-lo?!
Nutro, assim, a dúvida que me nasceu:
-Deus, como dividir dentro da gente
o ser real e o sub-consciente?
Náufrago
Ninguém te amou de uma forma intensa
senão eu. Me clareava, de amor cego,
a luminosidade da tua presença.
-Te amei bem mais que as outras, não nego.
Sentia teu amor em mim, era uma doença,
febre que ardia e me polia o ego.
Hoje, dobro no véu da saudade imensa
os cacos que amor que ainda carrego.
Se te dei meu amor, o que em mim contém?
Recordações, resquícios do passado,
cristal puro em vão despedaçado...
Vou-me, tem um barco nas águas do ontem,
céus do além, ondas do tempo transpor,
até achar o mar onde naufragou o meu amor...
Perdão
Qual de nós vai renunciar ao amor
e cair em pranto, e embargar a voz,
e morder os lábios para sentir dor,
e dizer “Adeus”? Qual de nós, qual de nós?
Qual de nós o beijo já não tem sabor
e atira a pecha no tempo algoz?
Se os laços já não atam com vigor
dizei qual de nós vai quebrar os nós?
Qual de nós vai ironizar, fechar a cara,
e olhar pro outro em direções opostas,
e partir sem rumo ao virar as costas?
Ou, qual de nós, numa atitude rara,
vai erguer-se (Serei eu, sereis vós?)
e dizer “Perdão”? Qual de nós, qual de nós?!
Destino
Três apitos, dentro do subconsciente,
sai do meu peito o trem do meu destino.
O trilho é a vida, o tempo o dormente,
ergue voo qual um carrossel divino.
Vejo-o girar e luzir à minha frente
qual áurea luz dum anjo paladino.
Me abre portas, num mundo indiferente,
me faz rei, feito sonho de menino.
Levo-o comigo, por ele sou levado,
e se me assoma a mais erma solidão
sinto arrancá-la o poder da sua mão.
Vou segui-lo, uma sombra ao seu lado,
até ver, dessa força que me conduz,
sobre o meu corpo o símbolo da cruz!
Momento...
Ainda te lembras da prata da lua,
luz brilhante feito joia de ciganos,
a guiar-nos, sombras claras pela rua,
eu, você...? Quantos planos, quantos planos!
O mar reluz, qual espelho, a deusa nua
ondas longas a levar meus verdes anos.
Ah, essa lua... Raios do céu na pele tua
eu, você... Quantos planos, quantos planos!
Ainda te lembras das nuvens de seda
da esfera acesa em noites belas
qual nódoa branca num manto d´estrelas?
Da areia ao vento no chão d’alameda,
peito aberto, já findava dezembro,
eu, você... Não te lembras? Eu me lembro!
Soneto à Bahia
Boa noite lua! Bom dia sol da manhã!
Ouço a canção do mar na brisa quente.
Salvador me abraça num dia louçã
e eu o abraço na mesma vertente.
Itaparica, uma ilha num talismã
caída do céu numa ‘strela cadente.
Que divinal, da Lagoa a Itapuã,
a beleza não cabe nos olhos da gente!
Séc´los de alegria nas ruas do Pelô,
livros de Amado, o toque do agogô
num desfile de arte e fantasia.
Do Elevador vejo a Cidade Baixa,
abro os braços, e sinto que se encaixa,
no meu peito o coração da Bahia!
Infância
(À minha mãe, Edith Dantas)
Alegra-me relembrar inda criança,
à tarde o sol ao longe, já sem brilho,
minha mãe, imagem viva na lembrança,
cabelo preso, laço no fitilho,
levava meu nome à brisa mansa
naquela voz que a mãe chama seu filho.
Eu corria no meu mundo d´esperança
escutando sua voz num estribilho.
E a noite, tinta negra derramada,
escorria no cariz do céu distante
e ia apagando a tocha luminante.
E os vultos eram bichos na estrada!
Mãe, eu fugia com o medo nos meus passos
e já sem fôlego eu caía nos seus braços!
Inácio Dantas
(do livro © “Sonetos para Sempre”)
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