segunda-feira, 4 de abril de 2011

Sonetos de amor, vida e meditações



           Rumo ao sol...

Dia, não me deixe; noite, não me leve
na sua asa de treva, fria, sem matéria.
Tive o manto real, o véu da miséria
e a eternidade numa vida breve.

Ó noite que se esvai na luz sidérea
um dia dos meus dias não me deve.
Dê-me a cruz negra, sudário de neve,
um beijo sem cor da boca cinérea...

Leva-me nas águas turvas do seu mar.
Sob as ondas das nuvens, meu conforto,
terra, terra... cais da vida, o meu porto.

Do meu céu vai a estrela se apagar!
Ó noite imensa, do meu viver o dia, leva
e outra luz há de surgir na minha treva!



  
         Eu-estrela

Eu vi minha alma naquele sol
sol da minha vida aberto em flor;
vi a aurora do meu ser num arrebol
e não me coube nos olhos o esplendor.

Vi o meu futuro nascer num parol
ao brilho da lua num mundo sem cor,
rompia o espaço na luz de um farol,
o próprio olho de Deus, o Criador.

Vi os meus dias surgindo nos astros,
sua claridão seguindo meus rastros
até se perderem na poeira do nada...

No pano azul, ao som de clarins e banjos,
vejo-me quem sou num bando de anjos:
-Uma estrela no céu da madrugada!




           Veredicto

Não julgue, se julgar-lhe não quiser,
a dúvida é prostituta da verdade.
Nem condene por uma razão qualquer:
Um rei s’esconde sob o véu da piedade.

É assim o homem, tudo tem e tudo quer
vive polindo o ouro da vaidade.
É réu, juiz, como bem lhe convier:
faz a guerra em nome da liberdade.

Não julgue à brisa tênue da razão.
Se a dúvida punir, seja quem for,
amanhã Deus virá julgar o julgador.

Quem diz a sentença também diz o perdão.
Que a lei é igual, de que vale a premissa,
se é feito de erros o sabre da justiça?!





        Amor eterno

Olhai as chagas no meu peito enfermo
o coração exangue nitrindo em mim,
o calar do meu corpo, o silêncio ermo,
o sopro aos poucos chegando ao fim...

Olhai na matéria essa vida sem termo
que quando viva não fora ruim.
Depois, num adeus eterno envolvermo-
nos, brisa leve de uma paz marfim.

Riscai o meu nome do mundo dos vivos!
Todos hão de saber que vos amei tanto
e se não me amastes não sei os motivos...

Dentro da cripta, com todo fragor,
vosso nome hei de chamar em pranto
para que saibam que morri de amor!




                   Retorno

Eis-me aqui a vislumbrar essas colinas,
o orvalho recobrindo o meu passo,
ruas longas, tortuosas, sem esquinas,
nuvens claras se abrindo no espaço.

O vento frio dobra a relva das campinas
num horizonte feito a régua e compasso.
A lua deita-se... o sol ergue as cortinas,
o dia em luz me envolve num abraço.

Sigo, vulto estranho na paisagem,
no ar, sinto o cheiro da madrugada,
na boca o gosto de folha mascada.

Voltei, nada levei na longa viagem,
pois o que deixei naquela choupana
ficou no peito da minha serrana.




             Linda

Ah, és maravilhosamente linda
no teu corpo a beleza é perfeita,
dos deuses na terra foste a eleita
neste mundo imperfeito: bem-vinda.

Do teu rosto fulge u'a luz infinda
resplandece da magia que és feita;
teu andar se alarga em rua estreita
pois beleza maior ninguém viu ainda.

Qual textura produziu tua matéria?
És filha da lua, d' amplidão sidérea
ou um sol no horizonte do meu verso?

Maravilhosamente linda és,
que, quando ergues o semblante, a teus pés
deita-se o céu... e o próprio universo!




  
          Broquel

Levanta-te, guerreiro destemido,
livra teu elmo do ígneo melaço,
zimbra ao vento teu gládio brunido
talhado de mortes no fio do aço.

Arranca o arnês, do alazão o baraço,
despoja a flâmula, o brasão florido.
Teu sangue tingiu o chão, o espaço,
perdeste a luta e não foste vencido.

Olha em ti o corpo exangue, dê-lhe ombros.
Tuas vestes são farrapos da batalha,
mas, antes isso que a vida na mortalha.

Levanta-te desse mundo de escombros!
Se a paz é um sonho imemorial
põe-la no teu mais alto pedestal!




       Uma canção

Compus esta canção para nós dois
o poema pousou na pauta do papel,
cifrei a letra: "quem vos fui, quem me sois;
vos fui dor e fel; me fostes riso e mel"

Cantei-a no silêncio que se fez, pois
quem reza aos anjos alcança o céu.
E antes de ouvir o que houve depois
dei-vos minha música e o meu anel...

Cantai. Nos fez o mundo o que somos nós.
Canto assim, pra não revelar meu pranto
e prá esconder-vos que vos amo tanto.

Eis, no ar, a orquestra da minha voz:
O som tem brilho e cor, o ritmo harmonia,
os versos têm calor, a rima poesia!

    Inácio Dantas
    (do livro © “Sonetos para Sempre”)

    Temas relacionados:

    Temas afins (Relações entre casais):

Nenhum comentário:

Postar um comentário